“Se você quer saber como foi seu passado, olhe para quem você é hoje. Se quer saber como vai ser seu futuro, olhe para o que está fazendo hoje” (Provérbio chinês).

sábado, 3 de março de 2012

Fazenda Limeira

Desenho de Charles, casa sede do Engenho Limeira. (Fonte: Livro "Tributo à Cidadania" de Pascoal Nabuco)


Nas férias de final de ano, por volta dos anos 60,  eu e minha irmã Luiza, fomos passar alguns dias do mês de dezembro na Fazenda Limeira em Divina Pastora, Sergipe, de minhas tias Elizete, mais conhecida como Tia Zete e das irmãs Lilice, Ester e Coseta, esta tinha outra Fazenda de nome 'São Felix', também no município de Divina Pastora. Foi na Fazenda São Felix, onde anos antes do esposo de minha tia adquiri, nasceu Fausto Cardoso o poeta e político que governou Sergipe. A nossa ida para Limeira era de marinete, assim se chamava os ônibus daquela época. Não possuíam maleiros e sim bagageiros em cima do teto, lá iam malas, caixas, sacos e todo tipo de bagagem grande, amarrada e coberta com uma lona, que protegia a bagagem da chuva e poeira, que era muita, pois quase não existia asfalto nessa época, nas estradas de Sergipe. O ponto das marinetes que iam para o interior do estado, ficava na Av. Rio Branco, rua da frente, onde hoje é o terminal dos ônibus urbanos. Havia um guarda que ia apitando para ordenar a partida dentro do horário previsto. A viagem era longa e desconfortável, mas a expectativa compensava todo o esforço. Num determinado ponto já indicado ao motorista por meu pai, o mesmo parava, era a cancela da entrada da ‘Fazenda Salobro’, onde já nos esperava o carreiro juntamente com minha tia Zete. O carro de boi era preparado com um colchão para cobrir todo o seu estrado e coberto com uma capota de esteira em forma de “U”. Desse ponto para chegar à fazenda se passava por muitas cancelas, perto de grandes canaviais, grandes pastos cheios de vacas, bois e cavalos. Num desses pastos havia um jumento muito temido, pois o mesmo gostava de correr atrás dos carros de boi que passavam pelo local, chegando bem perto, fazendo menção em morder os passageiros.  Era a hora de maior tensão em toda a viagem. Mas dessa vez o jumento não estava por perto. Depois de certo tempo de viagem já podíamos avistar a casa grande da fazenda que ficava num alto em frente a um tamarindeiro, onde os carreiros costumavam deixar os carros de boi estacionados no final de um dia de trabalho. A casa era alta e bem espaçosa. Para se ter acesso tinha-se que subir vários degraus de uma escada que ficava na direção da porta principal, onde possuía uma fechadura enorme com uma chave de uns quinze centímetros. Toda a construção era arrodeada de varanda, com uma quantidade enorme de janelas. Em seu interior havia vários cômodos,  uma igrejinha e vários quartos com camas altíssimas. Um cômodo que me chamava  atenção era o escritório de tia Cozeta, que dava para uma janela, que servia de balcão para atender os empregados da fazenda. Suas anotações com caneta de duas cores e uma caligrafia impecável despertava a minha admiração. Havia um grande baú em um dos quartos e grandes guarda roupas. A sala que era enorme, tinha uma grande mesa no centro, onde se fazia as três refeições e o famoso lanche das 16h, que já valia pelo jantar, pois tinha café com leite, bolo, queijo era uma fartura, como se comia naquela casa. Num canto da sala havia um relógio de pé daquele que balança um pêndulo enorme, quando da venda da fazenda, o comprador fez questão que as tias o deixasse, chegando a ameaçar desfazer o negócio se elas insistissem  em levá-lo. Na cozinha existia um grande fogão a lenha que praticamente não apagava, pois era um fazer de doces que não acabava mais, doces de laranja, leite, goiaba, jenipapo, banana. Fazia-se também muita qualhada, que era o leite talhado, uma delícia com açúcar. Por falar em leite, era um bom programa acordar cedinho, apesar do frio, para ir ao estábulo, onde havia funcionado o engenho de açúcar, ainda podia-se ver grandes rodas dentadas e algumas peças carcomidos pelo tempo, levando o copo para o vaqueiro colocar direto do peito da vaca dentro do mesmo aquele leite forte, puro e quentinho. Voltando a cozinha, ali era o lugar mais movimentado da casa, praticamente toda comida era feita com os produtos da própria fazenda, somente o pão era comprado a tardinha na cidade próxima de Divina Pastora, pois verduras e frutas eram colhidas na horta e no pomar no fundo da casa, próximo da cozinha. Havia um galinheiro onde apanhava-se todas as manhãs grande quantidade de ovos. Carne podia-se comer de frango, boi ou de carneiro. Cheguei a ver matando um, com um método muito primitivo, a pauladas. Já o peru era menos sofrido, pois davam cachaça antes, o qual ficava grogue e quase anestesiado. Os passeios a cavalo eram os mais divertidos, mas um dia assustei as minhas tias, pois não conseguindo abrir uma cancela montado, achei de descer do cavalo, foi quando as rédeas escapuliram das minhas mãos e o cavalo sai em desembalada carreira, chegando na casa da fazenda sem o “intrépido cavaleiro”, que chegou logo depois esbaforido, para alívio de minhas tias. Havia uns gansos que gostavam também de dar carreira e bicadas nas pessoas, e serviam como guardiões da frente da casa. A noite sentávamos todos na varanda para esperar a lua sair detrás dos morros. São experiências e boas lembranças da infância, que hoje muitas crianças não tem oportunidade de vivenciarem, pois morando em cidades, e enclausuradas em pequenos apartamentos, algumas nunca viram nem uma galinha ao vivo, quanto mais um boi ou um cavalo, só mesmo pela televisão. 

Armando Maynard

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